quarta-feira, janeiro 19, 2005

O que eu vou ser quando crescer

Eu era a única criança da escola que não sabia o que queria ser quando crescesse. Existiam aquelas criaturas que queriam ser coisas quase impossíveis, tipo jogador de futebol ou astronauta. Eu achava isso ridículo. Sim, já nasci com um senso crítico aguçadíssimo e ainda não sei como me livrar desse carma em certos momentos da vida.

Ainda tinha uma amiga que desde que completou três anos já tinha certeza que queria ser jornalista. "Jornalista de economia", ela deixava bem claro. Eu também não podia deixar de achar aquilo esquisito. Nunca consegui me identificar com nada que era oferecido. Jornalismo, aliás, nunca apareceu na minha lista de possíveis carreiras.

Mas eu virei uma jornalista. Para o meu analista, a explicação é óbvia. Eu tenho uma certa mania de querer descobrir verdades. Na época em que escolhi a carreira, a obsessão girava em torno dos meus pais, que me contavam as mesmas histórias, cada um com sua versão. Acreditem, eram versões completamente diferentes para os mesmos acontecimentos. Um bom chute, eu acho, mas é bem papinho de analista.

Nos últimos dias tenho experimentado a mesma sensação do ano do vestibular. As pessoas não se cansam de me perguntar para onde eu vou. Antes disso, fazem questão de arregalar os olhos quando eu digo que pedi demissão. O discurso está pronto e é rápido: "vou fazer mestrado". Não gosto nem de dizer a área para não me alongar muito no assunto. Tinha vontade mesmo de mandar: "Para onde eu vou? Para casa. Pensar nas milhões de possibilidades de profissões que o mundo oferece". Mas eu tenho que manter uma certa aparência.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

O relacionamento dos outros

Eu tenho a estranha mania de me espelhar no relacionamento dos outros. Não sei muito bem como explicar (e acho que não é nem bem "me espelhar"), mas isso é recorrente. Se o namoro está em crise, quase no fim, começo a pensar em todos os namoros que conheço que já terminaram e recomeçaram. Ao mesmo tempo, se o relacionamento vai muito bem, começo a pensar em todo mundo que eu achava que se dava muito bem e terminou de uma hora para outra. Ou todo mundo que estava tão bem que até casou.

Como se não me bastasse recorrer à realidade, valem até casais da ficção. Novelas, filmes, livros... No momento, o foco está nas idas e vindas de um casal do "Budapeste", do Chico Buarque. Mas os casais de "Sex and the city" também são sempre lembrados. São pensamentos do tipo: "ah, se ela fez essa merda e eles ainda estão juntos, ainda posso ter esperanças".

Fico tentando imaginar de onde vem essa mania esquisitíssima. Afinal, em momentos de lucidez, eu consigo até me concentrar e perceber que cada história é uma história. E que o que acontece com os outros, muito provavelmente, não vai acontecer comigo. Mas no meio de uma conversa com a minha mãe, há uns dias, ouvi a seguinte pérola: "Mas veja aquele casal de conhecidos. Eram namorados, terminaram, voltaram e agora estão casados!". Ela queria dar a entender que isso também poderia acontecer comigo. Ainda levo em consideração a hipótese disso ser genético.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

O timing nosso de cada dia

Tenho que admitir que perdi o timing de muitas coisas na vida. Ando não sabendo a hora certa de reclamar, por exemplo. Tem sido sempre assim: no momento em que sai a última palavra da reclamação, vem aquela sensação de "o meu bom senso pediu as contas e foi embora".

E o timing de contar segredos? Andava estragando tantas surpresas que passei a pedir a todos que não me revelassem segredos de nenhum tipo. Um desses furos foi quando contei pra um amigo que a noiva dele usaria uma camisola especial na primeira noite de lua-de-mel. Ok, não foi dito tão na lata assim, mas de alguma forma eu dei a entender e ele captou de primeira. A sensação foi esquisitíssima e eu, por um instante, achei que era capaz de fazer o tempo voltar para consertar aquilo. Achei mesmo.

O timing dos livros, eu já perdi de vista. Quase não tenho lido, mas consegui devorar 580 páginas de um tijolo nos três últimos dias. Fui incapaz de cultivar uma boa leitura ou de me desgrudar do livro para dar atenção a outros. Isso porque eu ainda não falei no timing do sono, da arrumação da casa, das compras...

Engraçado é que eu adoro essa expressão timing. Aliás, eu adoro expressões em inglês que se relacionem com a palavra time. Take your time é a que eu mais gosto. Pegue o seu tempo, leve o tempo que precisar, use o seu tempo pelo tempo que quiser. Eu gostaria de levar o tempo que quisesse até conseguir consertar esse meu descompasso com o mundo. Talvez eu só esteja esperando ouvir das pessoas "take your time", em vez de "o seu timing está em desacordo". Ou talvez eu esteja sendo autêntica pela primeira vez na vida. Como se disesse: "Sinto muito, mas essa pessoa com timing desajustado sou eu mesma".