sexta-feira, março 31, 2006

Domínio público

Ando muito sem tempo, como já deve ter dado para perceber, e minhas únicas referências para posts têm vindo da faculdade. Mas essa é boa, eu garanto. Pode continuar a ler. E tem muito a ver com algumas coisas que vivi nos últimos dias.

Estava lendo um texto sobre um filme do Resnais chamado “On connait la chanson”, algo como “Conhecemos a canção”. O autor explicava que o filme, uma comédia musical, trata principalmente das relações entre os personagens. Mas de repente, e isso acontece em vários momentos, esses mesmos personagens passam a refletir sobre eles próprios, suas vidas afetivas, suas relações com os outros e por aí vai. Nesses momentos de intimidade, em que estão sozinhos, os personagens não desenvolvem seus pensamentos falando, mas sim cantando – e as músicas só entram no filme nessas horas.

Acontece que todas as canções escolhidas para esses momentos de intimidade são grandes sucessos na França e, por isso mesmo, muito conhecidas do público francês. Um espectador mais sensível, para o autor do texto, entraria em crise. Porque de cara perceberia que o que esses personagens achavam ser sua intimidade mais íntima era, no fundo, de domínio público.

Pensando sobre isso, esse autor diz que nossas emoções, sentimentos e segredos são moldados e modulados pelo outro. E todo mundo sabe que não poderia ser diferente, nós só vivemos em bando. O que me incomoda mesmo é essa mania que a gente tem de se comportar da maneira que os outros esperam que a gente se comporte. Tento fugir disso às vezes, mas “o que as pessoas vão pensar de mim” está no topo das paradas de sucesso da minha consciência.

É estranho porque eu imaginava que as pessoas que já estivessem mais próximas do fim da vida, ou que pelo menos já contassem mais anos de vida do que eu, tivessem uma visão crítica desse assunto. Mas cada vez mais elas me provam o contrário. Eu queria mesmo é que um velhinho chegasse perto e dissesse que isso tudo é uma grande besteira. Que no fim da vida a gente percebe que o que valia mesmo era não ter se preocupado tanto com o pensamento alheio e ter feito mais o que desse na telha. Mas esse velhinho ainda não deu as caras.

2 comentários:

Andy disse...

A pergunta "o que as pessoas vão pensar de mim?" tem origem no iluminismo, quando se desenvolveu, na França, o termo "cortesia". Todo mundo tinha que ser cortês para todos, pelo bem da sociabilidade (o contrato de Hobbes é mais ou menos isso).

Daí também surgiu o termo cortesã, que, pensando bem, é muito mais interessante do que toda essa baboseira erudita que eu tentei explicar.

E se vc não tem tempo para o blog, imagina para mim... snif, snif, snif...

Anônimo disse...

Bicho, meu avô morreu dizendo isso aí. Dizendo que só a gente sabe da gente, que a gente tem que correr atrás dos nossos sonhos (o único que ele não realizou, nas palavras do velho desembargador, foi sair no carnaval de patins, fantasiado de anjo) e que o que a gente leva da vida é cultura. Ou seja: segundo aquele velhinho, o grande lance é se divertir e correr atrás de ser mais "sabido". Os outros são os outros. Eu sigo o velho.

Beijo.