sábado, março 18, 2006

Curriculum Mortis

Descobri outra coisa muito difícil para mim: autopromoção. Sabe entrevista de emprego, daquelas que te perguntam por que você deveria ser contratado por aquela empresa? É quando eu tenho mais vontade de sair correndo. Tenho um professor no mestrado que sempre dá uma sacaneada nos Curriculua Vitae - descobri que esse é o plural de Curriculum Vitae. Peço licença para transcrever um trecho de uma fala dele sobre isso:

"Somos todos forçados a mentir, ou, na melhor das hipóteses, a sonegar algumas informações, incorrendo na unilateralidade. Assim, o Curriculum Vitae deve ser capaz de induzir aqueles que o lêem a uma superestimação das nossas qualidades. Eu leio o meu e fico horrorizado comigo mesmo".

A proposta do homem é boa. Diz ele que ao lado de todo Curriculum Vitae deveria constar um Curriculum Mortis. Seria algo como: Curriculum Vitae - "consegui meu primeiro emprego aos 18 anos, após passar por seleção pública em que obtive a nota desejável para desempenhar um cargo de extrema importância". Curriculum Mortis - "apenas três pessoas participaram da seleção e as atribuições deste cargo se resumiam a catalogar arquivos".

Isso tudo para dizer que eu não teria a menor dificuldade para preparar meu Curriculum Mortis. Aliás, eu até me animei quando ele trouxe o assunto durante um café. Mas pensando bem, o meu Curriculum Vitae, se analisado profundamente, traz à tona uma das minhas piores características: tenho pouca capacidade de ficar por muito tempo em um mesmo lugar porque tudo acaba me cansando.

O meu currículo sempre chama a atenção das pessoas por ser extenso demais, por eu ter trabalhado em tantos lugares com tão pouca idade. Elas acham que isso é resultado de muita competência. Eu, no fundo, acho que é conseqüência de muita inconstância e dúvidas. É, talvez eu nem precise de um Curriculum Mortis.

4 comentários:

Unknown disse...

Oi, querida.
Imagina, acho que a inconstância empregatícia é um fenômeno do nosso tempo. Tipo assim: meu recorde em um emprego foi de um ano e oito meses. E, claro, naquela época eu já estava de saco cheio do meu trabalho.
Não se preocupe! Somos todos muito parecidos.
(e feliz aniversário atrasado :))

Anônimo disse...

Quem troca de emprego com freqüencia ganha mais. Quisera eu.

Anônimo disse...

Josy,

Não existe curriculum vitae sem curriculum mortis que lhe corresponda. Podemos, a maioria de nós, até não escrever o segundo, enquanto criamos e recriamos o primeiro. Mas ele vai sendo escrito nas entrelinhas do vitae, no branco que fica entre as letras. Você já ouviu falar nisso, na Cabala? Não? Pois você "livre-pensou" algo que se aprende na Cabala.

Beijo,

Elio

Anônimo disse...

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."

Fernando Pessoa


Beijo grande