segunda-feira, setembro 27, 2004

Quebrando o jejum

As outras famílias têm questões que nunca vamos entender. Por mais que eu, você ou qualquer outra pessoa tente, é muito difícil compreender algumas das discussões que envolvem a família dos outros.

Isso ficava muito claro para mim quando passava uns dias na casa de uma amiga, há muitos anos atrás. Eles sempre foram muito engraçados e divertidos, mas todo esse clima podia desaparecer de uma hora para outra na mesa de jantar. Questões, que para mim pareciam banais, podiam a qualquer momento virar discussões acaloradas. E eu, que não tinha o mesmo sobrenome que eles e estava sentada por ali, sempre morria de vergonha.

A minha família também tem questões que ninguém nunca vai entender. Uma delas, certamente a mais gritante, é o fato de não termos - eu e minhas irmãs - nenhum tipo de contato com a mulher do meu pai. Eles são casados há 20 anos. Antes que surja alguma dúvida, vou logo deixando claro: nunca fui na casa do meu pai, nunca troquei uma palavra com a enteada dele e fiquei 19 anos sem ver a sua mulher. Nem eu sei explicar direito o que acontece, apesar de fazer parte dessa família.

Pois bem, eu quebrei parte desse jejum minutos antes do início do Dia do Perdão, aquele em que todos os judeus devem jejuar por um dia inteiro. Antes que surja outra dúvida: eu sou judia, mas nunca consigo jejuar no Dia do Perdão. Não é que não consigo, eu apenas não tento.

O jejum do Dia do Perdão nunca deve ser quebrado com comida pesada. Até porque, se isso fosse permitido, todos os judeus passariam mal no dia que consideram o mais importante do ano. O meu jejum também foi quebrado de leve. Cheguei perto do meu pai e da mulher dele, que estavam na mesma sinagoga que eu, e dei boa noite e dois beijinhos em todo mundo, como se isso fosse extremamente normal.

Ela não foi nada receptiva. Fez aquilo como se estivesse cumprindo uma obrigação. Pensei muito nisso e cheguei à conclusão de que talvez eu tenha sido comida muito pesada para essa moça, depois de tanto tempo sem comer. Ela deve ter tido uma indigestão.

terça-feira, setembro 21, 2004

Discrição acima de tudo

Eu tenho mania de mexer no que não devo. Um aviso: não deixe nada seu comigo. Eu vou abrir, ler e esmiuçar até não restar mais nada. Eu fiz isso um dia com um diário de um ex-namorado. Vi, peguei e li: simples assim. Vergonha, vergonha, vergonha. Achei o que não queria achar. Daí o namoro desceu ladeira abaixo. Mas acredito que desceria a ladeira mesmo que isso não tivesse acontecido. Tempos depois ele devolveu na mesma moeda e fez o mesmo com o meu diário. E aí sim o namoro-defunto foi dado como morto.

Por que conto isso? Nem eu sei. Na verdade busco uma maneira de me livrar dessa obsessão pelo que é alheio. Todo mundo acha graça das comunidades do orkut. Eu não. O meu lance ali é fuxicar profiles e álbuns de fotos de gente que eu conheço pouco ou nem conheço. O mais engraçado é encontrar essa gente depois e fingir que eu não sei nada sobre suas vidas.

Porque voyeur que é voyeur é discreto e finge que não sabe de nada. E eu não conheço figura mais discreta do que eu.

Histórias para a posteridade

Eu não sei o que é ter que parar de brincar com a massinha para tomar banho. Hoje eu vi uma cena e não consegui segurar o riso. Minha pequena sobrinha de 2 anos chorou baldes porque foi obrigada a parar de brincar com a massinha. Ela sabia que a caixa embrulhada para presente tinha um milhão de potinhos de massinha antes mesmo de rasgar o papel de presente. E tudo o que ela queria era abrir todos os potinhos e me dizer o nome de todas as cores de todas as massinhas.

Mas aí: hora do banho. A babá chegou perto. E ela, que percebeu o que estava para acontecer, deu uns tremiliques e aí... litros de lágrimas. Lágrimas de verdade. Muitas. Todas. Em profusão. Eu ri (porque não sabia como me portar naquela situação) e levei um carão da babá. Me senti culpada.

Saí de lá, esbarrei em um primo na rua e narrei a cena. E ele me disse, com a cara mais séria do mundo, que "eu não sabia o que era ter que parar de brincar com a massinha para tomar banho". E eu decidi que vou guardar essa história.

Uma das únicas histórias que a minha mãe guarda da minha infância é a de uma noite em que eu chorei baldes porque queria fazer uma caricatura, em um dos parques da Disney. Pede pra minha mãe contar alguma lembrança da minha infância e vc ouvirá essa história. Pede outra e nada mais vai sair dali.

Tremenda sacanagem. A minha infância se deu em uma época em que não existiam máquinas digitais ou câmeras de vídeo por todos os cantos. As poucas fotos (raríssimas, já que sou a terceira filha) não contam muito. Tudo o que sei é que chorei uma noite inteira por causa de uma caricatura. As pessoas deveriam nascer com um aviso pendurado no pescoço: "Caros pais e familiares, guardem as lembranças da infância desse novo sujeito. Elas serão importantes para ele em um futuro não muito distante."

Nos últimos anos, com muito esforço, consegui colecionar uma porção de fragmentos de memória dos anos que precederam os meus 10 anos. Com o tempo vou contando aqui. São momentos inéditos até para quem os viveu comigo, já que nem a minha mãe lembra.

quarta-feira, setembro 15, 2004

Dersu Uzala

Meus pais se separaram quando eu tinha 5 anos. Eu não escrevo isso para explicar as conseqüências desse fato sobre esta pessoa de 25 anos, que hoje vos fala. Já basta o analista me perguntando se as causas de vários dos meus problemas atuais não estão relacionadas a isso. Eu escrevo só para contar algumas historinhas da infância.

Logo depois que eles se separaram, minhas irmãs mais velhas não curtiam muito encontrar com o meu pai nos fins de semana. Só eu levava isso adiante. Mas o meu pai era um cara de pouco mais de 30 anos e acredito que não levava muito jeito para com sua filha de apenas 5.

Não é que não levava muito jeito, ele apenas não sabia escolher muito bem os programas. E um desses programas (meu Deus, ninguém nunca vai me fazer parar de falar disso) foi me levar ao cinema. Tudo muito bem, não fosse o filme. Alguém aí já viu "Dersu Uzala"? Com 6 anos recém-completos?

Uma breve sinopse: "Dersu Uzala é um caçador que vive nas florestas da Sibéria em completa comunhão com a natureza. Certo dia conhece o capitão Arseniev, chefe russo de uma expedição cartográfica, daí nascendo uma profunda amizade, dessas que duram a vida toda." Ou seja, um filme cabeça, de 1975.

Quantas horas de filme? Duas horas e meia. A recordação mais intensa é de um homem de olhos puxados no meio do verde. Um homem de olhos puxados durante muuuuito tempo no meio de muuuuuiito verde.

O que qualquer criança normal faria? Provavelmente, se eu levasse minha sobrinha para um programa desses no melhor estilo "Cine Ricamar", ela sairia fora. Assim como o filho de uma amiga minha, que puxou a mãe pelo braço no meio de uma sessão dizendo que o filme que tinham ido ver não servia e que eles iriam embora.

Mas eu apenas assisti e disse que gostei muito, com a cara mais lavada do mundo. Eu era bem estranha. Acho que ainda sou porque continuo fazendo esse tipo de coisa até hoje. Penso que não tenho o direito de magoar as pessoas dizendo que não gostei de "Dersu Uzala". Nada que a análise não cure... Assim espero.

Vícios

Tenho passado horas com um cigarro na mão. Gostaria muito de me livrar disso, mas é engraçado como a falta do que fazer me faz acender um. E quando há muitas coisas a fazer, a cena também se repete. Tudo é motivo.

Uma festa cheia de gente? Isqueiro na mão. Muitos textos a escrever? Cato o meu maço. Vi alguém que não gostaria de ver? Ai, só mais um...

A verdade é que acho que isso é muito mais psicológico do que físico. A tentativa eterna de me esconder atrás de um objeto. Um objeto qualquer. Como na pista de dança não é possível achar um vaso de plantas, lá estou eu e meu cigarro na mão. Não, definitivamente não sou viciada em nicotina. Sou viciada em me esconder.

Quando passei uns meses na Inglaterra e ainda não tinha descoberto o cigarro, meu vício consistia em ficar prendendo o meu cabelo. Roubei o prendedor de uma amiga minha e ele tinha o estranho hábito de ficar escorregando do meu cabelo. De tempos em tempos, lá estava eu com o prendedor na boca, puxando meu cabelo para trás, prendendo metade dele e puxando uns fiozinhos pra frente. Uma noite em uma pista de dança podia ser o equivalente a umas 30 repetições desse ritual.

Só me toquei disso quando, no meio de uma bebedeira, resolvemos brincar de câmera de vídeo. A gente fingia que tinha uma câmera na mão e filmava uns aos outros. Um cara, que eu resolvi filmar, conseguiu repetir com perfeição aquele meu hábito. E depois riu pra mim. Fui desmascarada por um quase-estranho.